terça-feira, 22 de novembro de 2011

Decimais ou melhor dizendo, racionais fraccionários postivos

Introdução dos decimais
Nos primeiros anos de escolaridade, como refere Cecília Monteiro, a aprendizagem dos conceitos associados à representação de números racionais, através dos numerais decimais é muito importante. Situações como as relatadas por ela, em que alunos de 2º e 3º ciclos referem que 3,19 é maior que 3,5 porque 19 é maior que 5, ou que 2,175 é maior que 4,5 porque o primeiro número tem um maior número de algarismos que o primeiro, mostram a dificuldade de aprendizagem associada a esta representação dos números. Outros exemplos que ela apresenta são: 0,15+10 = 0,25 e  49,09 + 0,01 = 49,010.

Todas estas situações ocorrem num contexto de aprendizagem em que a representação numeral decimal surge desligada de situações problemáticas que façam sentido aos alunos. De facto, tradicionalmente grande parte do tempo de aprendizagem dedicada em redor destes números prende-se com regras de cálculo - uma sintaxe para realizar operações - que não permitem que os alunos adquiram o 'sentido do número decimal' (o valor cardinal e a ordem entre os números, a relação entre as operações entre estes números, a previsão de resultados).

O curriculum do primeiro ciclo, entretanto modificado, convida os professores a trabalhar desde cedo com fracções, associando a metade à representação 1/2 e também à representação 50%. Este é um avanço no sentido em que, partindo do conceito parte-de-todo (parte de um todo) associado à fracção, é possível introduzir a noção de décima (1/10) também como a décima parte uma unidade (note-se que a autora refere, e muito bem, que nesta etapa é importante que os alunos resolvam problemas em que os contextos apresentados envolvam quantidades discretas ou conjuntos discretos, como é o caso do número de tampas, e quantidades continuas ou figuras contínuas, como é o caso de folhas de papel).

Vejamos como a autora sugere que se inicie a aprendizagem dos decimais:
- Dobrando papel e pintando metade da folha. Existem diferentes formas de realizar uma dobragem. Essas diferentes formas devem ser investigadas;
- Dobrando em quatro partes, pintando metade, verificam que pintam duas das quatro partes;
- Utilizando molduras de 10, pedindo para pintar metade, ou um quarto.

Em qualquer dos casos, a representação quer em percentagem, quer em representação em forma de fracção pode ser apresentada desde muito cedo (1º/2º ano do 1º ciclo, por exemplo).

Apresenta em seguida um problema em que 3 sanduíches são divididas por 5 alunos e duas formas de resolução apresentadas pelos alunos. Na primeira, os alunos dividem as 3 sanduíches em metade, obtendo 6 metades. Partilham uma metade por cada um dos 5 alunos sobrando 1 metade. Essa última metade é por fim dividida em 5. Qual é o resultado? O resultado é 1/2 mais 1/5 de 1/2 que é 1/10. Na segunda forma, os alunos dividem cada sanduíche em 5 partes, obtendo 15 partes. Cada aluno fica com 3 partes, ou seja, o resultado final é que cada aluno obtém 3/5 da sanduíche.

Os dois problemas põem em evidência as diferentes formas de representar a mesma quantidade utilizando os números fraccionários. No primeiro caso 1/2+1/10 e no segundo 3/5. É sugerido, para o primeiro caso, que se encontre o número de décimas partes da sanduíche. Basta para isso que se encontre o número de décimas que corresponde a uma meia sanduíche, que é 5/10. No outro caso, é sugerido que se utilize a máquina de calcular (se ainda não abordaram o algoritmo da divisão), para calcular 3:5. Ambos resultam em 0,6. 

Estamos perante uma situação que deverá ser discutida na sala de aula. E que provavelmente outro tipo de problemas poderão levar a que os alunos encontrem resposta para dúvidas que possam surgir nestas transformações. 
Parece-me essencial, por exemplo, explorar a ideia de que podemos representar de formas diferentes metade (1/2, 2/4, 3/6). Por outro lado, o registo do resultado utilizando diferentes fracções permite tornar mais fácil a resolução dos problemas apresentados em cima. Por exemplo, podemos pedir que os alunos pintem metade de uma figura que está divida em 10 parte e se peça para que apresentem em forma de fracção o resultado respondendo às questões:
- Quantas meias partes pintaste?
- Quantas décimas partes pintaste?
O mesmo se pode fazer agora representando rectângulos, divididos de formas diferentes. 

No documento em análise é ainda apresentado o seguinte problema: "Numa festa havia 23 chocolates iguais para distribuir igualmente por dez crianças. Com que porção de chocolate ficou cada uma?"
Esta é uma situação em que o resultado é maior que a unidade. Interessa que os alunos percebam que quando se trata de dividir em partes, podemos obter mais do que uma unidade (neste caso a unidade é o chocolate).

Voltando à proposta dos rectângulos, somos levados a construir situações onde pode existir mais do que um rectângulo.
Por exemplo, apresentando 3 rectângulos, pedir para que os alunos pintem metade.
Podemos perguntar em seguida, quanto é que tiveste de pintar? A resposta deveria ser, um rectângulo e meio. É preciso que eles registem o resultado em número de rectângulos!
Chegamos à situação das sanduíches.


 Mais difícil é colocar dois rectângulos divididos cada um em 3 parte e pedir que pintem metade (porque razão esta é mais difícil?).
Etc.



A mudança da unidade e a reconstrução da unidade
Um dos aspectos a ter em conta, no ensino dos números fraccionários é a questão da unidade. A autora exemplifica: Metade de uma folha A3 não é o mesmo que metade uma folha A4. Também se a Maria gastou 0,1 da sua mesada na compra de livros e o João gastou 0,3, não se pode saber quem gastou mais, se não se souber os valores das mesadas.
Isto quer dizer que associado ao conceito de fracção existe o conceito de unidade, e que esta noção implícita, deve ser trabalhada de forma explícita.
Um tipo de tarefa que pode favorecer esta aprendizagem é a recontrução da unidade a partir de parte da unidade.

Num papel quadriculado pode-se representar 0,5 associado a 15 quadrados (um rectângulo 3x5), enquanto 0,2 associado a 8 quadrados (um rectângulo 1x8). Rapidamente nos apercebemos que, para cada um dos casos, a unidade é diferente. Uma unidade para o primeiro caso pode corresponder a um rectângulo 6x5=30 quadrados, e no segundo caso, 5x8=40 quadrados.

O modelo rectangular
A introdução das centésimas pode ser feito através da utilização do modelo rectangular. O modelo de 10x10, para representar as décimas e as centésimas é muito versátil, porque permite:
- Representar de forma diferente. Por exemplo, 25 centésimas é um quarto dos quadradinhos pintados, mas eles podem ser pintados nas mais variadas formas;
- Associar o valor da décima à centésima. Por exemplo, comparar quantas centésimas são 2 décimas e verificar se 25 centésimas são mais que 2 e menos que 3 décimas;

A linha numérica
A linha numérica simples e a linha numérica dupla permitem a compressão existentes entre os números mas também entre as diferentes formas de representação. Por exemplo, no caso da linha numérica dupla, podemos representar trinta minutos (sistema sexagesimal) em baixo, enquanto em cima representar metade de uma hora (1/2h).

In Monteiro, C. "Dos números inteiros aos decimais: um percurso complexo, mas possível, no desenvolvimento do sentido de número", Ensinar e Aprender Matemática no 1º ciclo, Texto Editores, 2007. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Formação de Conceitos e Campos Conceptuais

Para Vergnaud, o sentido de conceito está associado fortemente à actividade de resolução de problemas. É nesse contexto que o aluno pode desenvolver a sua compreensão do sentido inicial dos conceitos e teoremas matemáticos. Mesmo admitiundo a intenção de alcança rum nível mais avançado de abstração, os probkemas constituem -se como etapa inicial para lanlar as bases do conhecimento.
Segundo Vergnaud, "um conceito é uma tríade que envolve um conjunto de situações que dão sentido ao conceito; um conjunto de invariantes operatórios associados ao conceito e um conjunto de significantes que podem representar os conceitos e as situações que permitem compreendê-los"
O conhecimento assume uma forma adaptativa, que carateriza a passagem do saber quotidiano ao saber escolar e do escolar para o científico.
O desafio passa portanto por estudar estratégias que possam contribuir para a transformação do saber quotidiano para um saber escolar preparando o caminho para o plano da ciência. 
O desafio, no processo de aprendizagem de um conceito, parece estar na identificação de invariantes referentes ao conceito principal.
(In Didáctica da Matemática - Uma análise da influência Francesa de Luiz Carlos Reis)
Comentários: O conceito de invariante, parece-me a mim, é mais complexo, mas no livro é apenas referido como a ideia que congrega um conjunto de situações. Recordo, por exemplo, o conceito de raciocínio multiplicativo. O que congrega as situações em torno deste conceito, é o facto de existir um invariante, que corresponde ao "número constante de objectos" que formam os conjuntos que representam as situações de partilha ou de relação de um-para-muitos.

Pascal escreve: "Já não temos, como antigamenteo, alunos que, fora da escola - por terem aí um meio rico e propenso à leitura e discussão - constroem um referencial que permite a conceptualização. Logo implica que a escola tem de fornecer os instrumentos que permitam tal construção. E este trabalho é muito necessário."
E cita Vergnaud: "Na  maioria das actividades, a vida só oferece um pequeno número de casos entre os problemas possíveis. Além disso, nas situações habituais da vida, os dados pertinentes estão imersos num conjunto de informações pouco ou nada pertinentes, sem que sejam sempre claramente expressas as perguntas que podem ser feitas. Desta forma, o tratamento destas situações supõe ao mesmo tempo a identificação das questões e também das operações a fazer para lhes poder responder. Isto convida à análise, mas não é fácil começar pelas situações da vida para estabelecer uma classificação sistemática". 
Pascal acrescenta: "Contudo, não entendamos a partir destas palavras de Vergnaud que, por não ser fácil começar pelas situações da vida, não faz sentido contextualizar os processos de aprendizagem em situações mais do quotidiano e das vivências dos alunos,ou partir destas para saberes mais abstractos e mais estruturados, antes pelo contrário. Desta forma, a construção de conceptualizações matemáticas ganha outro significado e valor."
Vergnaud chama a atenção para os "teoremas-em-acto" ou "teoremas-em-acção", que "são estes elementos que permitem a realização da seleccção da informação mais relevante e o seu posterior tratamento, ou seja, orientam e organizam o actuar da crianças sobre o real. Os teoremas-em-acção têm , assim, a ver com as proposições consideradas como verdadeiras pelo sujeito, proposições estas que que permitem tratar a informação como adequadas ao real. Eles sugem da actividade espontânea e intuitiva da crianação e podem ser considerados como uma forma de conhecimento ligado à acção. Têm uma natureza implícita e por isso, num determinado momento, do desenvolvimento, não são expressos sob uma forma matemática."
Pascal acrescenta sobre a ideia de Vergnaud:"Os teoremas-em-acção começam a transformar-se em teoremas à medida que a criança vai sendo confrontada com uma diversidade de situações-problemas, de procedimentos e de representações empíricas. A criança vai progressivamente descobrindo as propriedades dos conceitos, os invariantes começam a ficar mais explícitos e a relação entre o significado e o significante fica cada vez mais clara."
É nesta transformação que "reside um dos problemas de ensino. Podem existir conhecimentos que foram apreendidos e que as crianças não conseguem aplicar quando resolvem problemas concretos e, noutros casos, a criança constrói espontaneamente conhecimentos operatórios que não se convertem em verdadeiros enunciados." Ou seja, existe um processo de abstracção implícito à resolução formal que não estabelece ligações com teoremas-em-acção que a criança construiu "espontaneamente".
Pascal refere ainda que Vergnaud considera que os processos cognitivos e as respostas dos sujeitos são funções das situações com as quais são confrontados, pelo que, considera importante:
- A ideia de variedade - é necessário criar um sem-número de situações a partir de acontecimentos do dia-a-dia;
- A ideia da história - é necessário acompanhar a par e passo a história de aprendizagem do aluno na sua aprendizagem de forma a que se possam reformular as situações de forma a que se tornem perceptíveis para ele.
(In Didáctica Experimental da Matemática, Pascal Paulus)
Comentários: Apostando nas situações contextualizadas no dia-a-dia, podemos partir para conceptualizações que estabeleçam a ligação com o que as crianças já sabem, nos tais "teoremas-em-acção". A tarefa seguinte parece depois ir construindo conhecimento, organizando as diversificadas situações trabalhadas de forma a sintetizar a informação, e torná-la conhecimento. A descoberta dos "invariantes" fazem-se neste processo orientado para fins que são estabelecidos nos curricula das disciplinas, e que, quero eu interpretá-lo, como "conhecimento científico".