sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Nem sempre multiplicar significa ficar com mais...

No primeiro ciclo, a primeira experiência com a multiplicação está associada a situações em que quer o multiplicador quer o multiplicando são números inteiros maiores que 1.

O resultado de uma operação de multiplicação a x b em que a é maior que 1 e b é maior que 1 resulta sempre num número maior que a e b.

Mas se algum dos fatores for menor que 1, então o resultado já não vai resultar maior.
Vejamos alguns exemplos:

0,4 * 5 = 2,0
1/2 * 5 = 2,5
2 * 0,9 = 1,8
2 * 0,95 = 1,9

Etc.

Sabemos que é habitual trabalhar problemas nas salas de aula. Será que é fácil encontrar situações problemáticas que correspondam a estas situações?

Elas são diferentes daquelas que inicialmente estão ligadas ao conceito de multiplicação entre números inteiros como, por exemplo, "Existem cinco caixas de seis gelados. Quantos gelados são ao todo?".

Geralmente essas situações estão associadas a situações em que é necessário realizar medições (utilizando as unidades contínuas) ou comprar/vender.

Por exemplo:

1- "Tenho 0,4 metros de um tecido que custa 5 € por metro. Quanto valem esses 0, 4 metros?"
2- "Tenho 5 metros de um tecido. Se cada metro custa 40 cêntimos, quanto custam os 5 metros?"
3- "Tenho 5 tiras de tecido com 0,4 metros cada. Quantos metros tenho de tecido?"
4- "Tenho que dar 40 cêntimos a cada um dos meus cinco amigos. Qual o valor total que tenho que dar?"
5- "Se cada colega comer 40% de uma pizza para duas pessoas, quantas pizzas tenho de encomendar se convidar 5 colegas?"
6- "Vou dar 5 voltas à pista que tem 400 metros. Quantos quilómetros vou correr?"

Estas situações são diferentes.
Aquelas em que somos levados a colocar em primeiro lugar o valor não inteiro, estão habitualmente utilizadas em situações próximas do "sentido partitivo da fração":

É o caso do 1 pois refiro-me a 0,4 do metro que custa 5 €. Na verdade estou a calcular 0,4 de 5€. Poderia também escrever 2/5 de 5€.

Outras situações consideram a unidade que é repetida (na multiplicação há um invariante que corresponde àquele elemento que se repete).

É o caso do 2. A unidade que é repetida é 40 cêntimos. Repetimo-la 5 vezes.

É o caso do 3. A unidade repetida é 0,4 metros.

É o caso do 5. A unidade é 40% de uma pizza. Aqui há um jogo mais complexo, pois o resultado é mais do que uma pizza. Estamos a trabalhar com unidades pizza que se dividem.

É o caso 6 em que a unidade é a pista de 400 metros.






quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Padrões e mais padrões

Devlin, matemático, disse que "a matemática é a ciência dos padrões".
Mas o que quer dizer essa frase?
A ideia de padrão leva-nos para muitos lugares  e muitas coisas. De fato, é através da repetição, dos padrões que encontramos e que se repetem, que conseguimos nos orientar no mundo em que vivemos. Também dependemos da "repetição" para aprender a estar e a nos comportarmos na sociedade.

Não é pois de estranhar que a matemática seja também ela uma ciência ligada à noção de padrão. Mas ser a ciência dos padrões?

Quando procuramos uma resumir um comportamento, o que fazemos? Por exemplo, há alguém que tem um comportamento menos delicado. Dizemos, "é sempre a mesma coisa. Este sujeito é sempre mal educado". Ou quando chove no dia a seguir, dizemos "pois é. Nos Açores está sempre a chover". Na verdade, o que fazemos é generalizar, partindo de situações que são observadas no dia-a-dia, estabelecendo uma "regra" que passa a estar vinculada a esse ou aquele acontecimento.

Esta forma de "pensar" sobre acontecimentos, que em matemática se designa por indução ou raciocínio indutivo, está relacionado com a descoberta de padrões (neste caso de comportamento de uma pessoa ou da repetição de um estado do tempo) que nos guiam e orientam.

Afinal, o que a matemática faz é procurar estas regras e com uma linguagem formal, usá-las para construir conhecimento.

Há padrões e padrões. O que se repete pode obedecer a um "crescimento" . A ideia é esta:
AB AB AB AB
AB ABAB ABABAB
No primeiro caso o padrão AB repete-se. No segundo a sua repetição é acompanhada por um acrescento de 'AB'.
Vejamos outro caso:
AB ABAB ABABABAB ABABABABABABABAB
Nesta caso, o salto dá-se com a duplicação do número de 'AB's.

Com estas ferramentas simples, a matemática torna-se muito poderosa na explicação de alguns fenómenos, na previsão de outros e até na descoberta de novas relações!

Vejamos um exemplo mais próximo da matemática:
*  **  *** **** ?
O que é que colocavam na posição do "?" ?
Se seguirem a regra, aposto que colocavam cinco estrelinhas.
Como trabalham os matemáticos?
Atribuem a cada uma das posições um número:
1 *
2 **
3 ***
4 ****

8 ********

Dizemos, por exemplo, que  s(1) =1, s(4)=4 e s(8)=8, ou seja, s(n)=n (a regra).
Conseguimos assim encontrar quantas estrelinhas existem na posição 10 . Quantas? Obviamente 10 - s(10)=10. Como referi, generalizamos escrevendo, para este caso, s(n)=n, em que n é substituido por um número inteiro.
Parece um pouco estranho tanta complexidade para uma coisa tão evidente.
Mas e se a sequência for a seguinte:
* *** ***** ******* ********* ?
Na mesma forma atribuímos números a cada uma das posições:
1 *
2 ***
3 *****
4 *******
5 *********
Agora é mais difícil. Mas com alguma perícia, chegamos a s(n)=2n-1. Ora experimentemos:
s(2) = 4-1=3; s(3)=6-1=5;s(4)=7;etc.


O que é afinal "pedir empréstimo" no cálculo de subtração?

Quando realizamos uma subtração mentalmente, ou seja, através do cálculo mental, somos tentados a "pedir empréstimos"(!) se estivermos subjugados ao algoritmo que aprendemos ainda muito pequeninos.

Na verdade o que fazemos é uma decomposição dos números que permite que, para qualquer operação,  os passos seguidos garantam que o resultado final seja sempre certo (desde que não nos enganemos).

Então vejamos. Quero subtrair 27 a 34. Como fazer? Se formos aficionados do "algoritmo com empréstimo" fazemos o seguinte:
34 = 20 +14
Esta decomposição (que é pouco treinada no primeiro ciclo) dá-nos o necessário para conseguirmos realizar a operação de subtração.
Vou pegar primeiro na parte verde da decomposição:
14 - 7 = 7
Já subtraímos as unidades (7) do número 27 ao 34. O resultado é parcial. Subtraí 7 ao 14 e restou 7.

Falta agora subtrair as dezenas (2) do número 27 ao 34.
20 - 20 = 0
Confuso, não é?
Desta vez pequei na parte "vermelha" da decomposição. Restou 0.

Então o resultado é 7.

Mais um exemplo:
134 - 99  ?

134 = 120 + 14

14 - 9 = 5

120  - 90 = 30

O resultado final é 35.

Bom. Agora pensemos um pouco sobre tudo isto. Será que esta forma de decomposição é a melhor?
É que há outras formas de decompor e há outras formas de pensar sobre a "subtração" que tornam mais fácil para o nosso cérebro chegar a um resultado.

O último exemplo é sem dúvidas um caso desses. Subtrair 99 é subtrair 100 e depois acrescentar 1 (compensação).

Então podemos escrever 134 - 99 = 134 - 100 + 1 = 34 + 1 = 35.

O primeiro exemplo 34 - 27 também pode ser pensado dessa forma. 27 é quase 30. Então 34 - 27 = 34 - 30 + 3 = 4 + 3 = 7.

Há outros exemplos, e todos eles permitem que raciocinemos sobre o número e, como uma caixa de ferramentas, retiremos a ferramenta adequada para resolver o problema. Esta ideia de "caixa de ferramentas" é uma ideia que tem sido explorada na ciência cognitiva, que procura perceber como pensamos e como decidimos.

Subtrair pode servir para treinar o nosso cérebro a pensar os números de forma diferente. Este tipo de treino deve ser realizado no primeiro ciclo para que a noção de grandeza de número se adquira a par do treino e memorização de fatos básicos da matemática.



O raciocínio aditivo



Nem sempre se pensou que adicionar e subtrair faziam parte do mesmo "saco" de ideias. Esta é uma descoberta, obviamente, que está há muito definida na matemática moderna.

Por exemplo, na definição de "Grupo Aditivo",

Um grupo é uma estrutura (S,*), formada por um conjunto não vazio S sobre o qual foi definido uma aplicação binária *, satisfazendo às propriedades:
  1. (S,*) é associativa;
  2. (S,*) possui um elemento neutro;
  3. Cada elemento nemS possui um simétrico memS com relação à operação *.

Esta ideia de grupo entronca na ideia intuitiva de raciocínio aditivo. Ele é na essência o "juntar" e "separar", ações primordiais da nossa infância e que vão traduzir-se numa representação que se traduz formalmente em dois sinais, o "+" e o "-" mas que estão inevitavelmente ligados pelo fato de serem afinal a operação inversa um do outro, ou de forma mais abstrata como elemento que existe no conjunto dos números.

Vejamos então por etapas como tudo isto vai "crescendo" em abstração:
- Primeiro juntamos e separamos;
- Depois nomeamos os atos que realizamos: acrescentar, retirar, comparar;
- Representamos formalmente esses atos utilizando as operações formais, primeiro, de forma direta, "eu tenho 5 e acrescento mais 3, fico com 8" (5+3=8), "eu tenho 8, retiro 3 e fico com 5"(8-3=5), e depois de forma indireta, "eu tenho alguns, acrescento 3 e fico com 8"(8-3=5).
- É na discussão em torno da forma indireta que surgem os primeiros laços entre as duas formas de representação formal; é também nessa discussão que o sinal formal adquire um estatuto de maior abstração. Ele deixa de ser associado a "mais" ou a "menos" para se coligar a uma forma de pensar. Ele não é uma "ação imediata", não traduz a ação imediata mas sim uma forma formal de representar o processo de adicionar;
- Finalmente, o passo último, ocorre mais tarde, quando se decide que afinal apenas a operação '+' deve existir formalmente na estrutura formal da matemática. Nascem os números negativos, com estatuto próprio e é possível definir um grupo aditivo.